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Comece de novo.

Cai a tarde. Pausa no fluxo das aulas que irão recomeçar quando a noite chegar. A luz logo vai baixar, organizo o tapete no chão, a almofada na altura que eu gosto, desligo a internet do celular e preparo o áudio dos mantras. Vem a vontade de beber água, ir ao banheiro. Tudo pronto, me sento.




            Começo de novo. Cruzo as pernas, a lateral dos pés se apoia no chão, cresço o tronco, apoio as palmas das mãos sobre os joelhos, cotovelos ligeiramente flexionados, meu queixo se abaixa levemente na direção do peito, as pálpebras abaixadas, mas sem tensionar a musculatura ao redor dos olhos, os lábios se tocam, e a língua repousa atrás dos dentes superiores. Escuto o mantra.

            A atenção vai para a borda das narinas, percebo o ar entrando e saindo, o fluxo dos pensamentos parece que vai começar a diminuir. Quando eu terminar a meditação, preciso enviar uma mensagem confirmando a aula de amanhã, se o aluno cancelar, vou aproveitar para ir ao mercado. Me perdi. Começo de novo. A atenção na respiração, o ar entra, o ar sai, puro e simples, a respiração natural, simplesmente observá-la, como o professor ensinou. Percebo que o ar entra frio, e sai quente, sinto o suave toque até a metade interna da narina aproximadamente, aí percebo a barriga crescendo à medida que os pulmões se enchem, o peito sobe, inspirei o máximo que me cabe. Sem esforço, o ar começa o caminho inverso, e mais uma vez o contato do ar com as narinas acontece. A respiração está tão superficial hoje, mas estou atenta. Deve ser porque estou cansada, dormi tão pouco a última noite, aquele sonho no alto de uma montanha cheia de nuvens, neblina, foi bem desconfortável, qual será a mensagem? Estou mesmo nesse espaço de não saber. O mantra acabou, silêncio absoluto agora.

            Começo de novo. Atenção na respiração. Percebo minha respiração natural, e então sinto. Uma sensação acontece no meu pé esquerdo, um formigamento, que depois aparece também no pé direito. A atenção percorre a perna esquerda, a perna direita, chegando na altura do quadril. Sinto o sustento do chão que me apoia, e o meu peso sobre ele. Sinto as vértebras apoiadas umas sobre as outras, as costelas se expandindo para os lados à medida que os pulmões se enchem, os ombros parece que pesam para baixo, os braços repousando sobre as pernas, os dedos das mãos soltos. Dor na escápula esquerda. Que sensação ruim é a dor, parece uma tensão na musculatura, será que se algo é desagradável, significa que é negativo também? Então estou pensando negativamente e minha mente está cheia dessa particular negatividade. Apenas observo, a sensação não foi reprimida, mas não queria sentir, e se não queria, um hábito de aversão aparece aí, um padrão de reagir com irritação. A mente ficou agitada. Que multidão mora aqui dentro.

            Tomo posse de mim, e começo de novo. Sinto o pescoço sustentando a cabeça, a cervical dolorida também, a testa, as orelhas, o pescoço. A consciência agora mais centrada, capaz de perceber as sensações mais sutis fica passeando pelo meu corpo, outra respiração. Vou tomando parte nas percepções que aparecem como o vento que sopra, toca, para rapidamente desaparecer. A atenção desliza entre os poros, como dedos invisíveis, passeia pelos sentidos, dança nos cabelos, e acaricia meu rosto.

            O rio turbulento dos pensamentos se aquieta, e leva com ele as sensações grosseiras de dor e de desconforto. Ao contemplar o meu habitat com clareza, posso ouvir com o corpo inteiro. No espaço da concentração que se apresenta, as bordas limites se expandem, e um silêncio aparece como o sol quando dissipa a névoa do meu sonho.

            O coração se encontra com a eternidade, e já não há mais espaço para nada, apenas entrega. A intimidade vai tomando conta e acarinha, nada me prende, o encantamento é como um antídoto para as emoções, a presença é o bálsamo. O que eram esses pensamentos que precisavam ser escutados? O que eram essas sensações que precisavam ser acolhidas?

            Parece que as respostas estão em observar o espaço de não saber, amar o exato momento em que me encontro, respirando, e começando de novo, e de novo, permito ser preenchida do que me traz mais vida, todos os dias, começando de novo.

            O mantra toca, as lágrimas vem aos olhos, uno as palmas das mãos para agradecer, e começo a movimentar o corpo, está na hora de ir dar aula.

             

           

           

           

           

 
 
 

6 comentarios

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Giulia
28 nov 2024
Obtuvo 5 de 5 estrellas.

Que lindo! Percebi lendo, como é interessante entender a meditação pela perspectiva de outra pessoa. E que centramento e habilidade para escrita maravilhosa ein! Super beijo, Giulia.

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Marina Linhares
Marina Linhares
03 dic 2024
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Eu também gosto de saber das experiências meditativas de outras pessoas. Obrigada pela leitura Giu! Beijo grande


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Débora
26 nov 2024

Lindo demais

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Marina Linhares
Marina Linhares
26 nov 2024
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Obrigada pela leitura!

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Invitado
26 nov 2024
Obtuvo 5 de 5 estrellas.

Lindo e sensível relato! Tão importante compartilhar sobre o meditar! Inspirar outros a experimentar, se concentrar, e se voar , voltar a respirar e silenciar a mente

Obrigada por ser Essa inspiração no Yoga e meditação !

Luciana

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Marina Linhares
Marina Linhares
26 nov 2024
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Obrigada Lu!


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