Um constante esvaziar-se - parte I
- Marina Linhares
- 10 de mar.
- 2 min de leitura
Atualizado: 13 de mar.
Muito falamos sobre a necessidade de sentir-se preenchido, completo. Mas tenho pensado sobre a importância do movimento contrário, o esvaziamento.

Era isso. Saí do Nepal como quem sai da casa dos pais. Há dez anos tenho me confortado nesse colo, e apesar de todos os desafios que vivo ali, sempre encontro o abraço que preciso por lá: no cuidado e no ser cuidada pelos monginhos, nas refeições com os amigos em volta da mesa, no caminho que faço andando todos os dias até a estupa de Boudha para ver os budistas andar em círculos, nas pujas que acontecem pelas manhãs. Estava com o pensamento viciado, repleta do amor de tudo isso, e precisava me esvaziar.
Como sempre, deixei o monastério no táxi olhando pela janela os meninos que acenavam, e com lágrimas nos olhos respirei fundo para encontrar um espaço dentro de mim. Encontrei um pouco de coragem, mas não quis apressar a tristeza de ir e deixei a dor ficar quanto precisasse.
Meu primeiro vôo foi de Katmandu para Bangalore. Naquelas poucas horas ali sentada dentro do avião, fui pedindo para a mãe Índia, como esse país costuma ser chamado, o mesmo colo que ganhava no Nepal. Depois de um ano bem desafiador em suas maravilhas e mudanças, precisava ser acarinhada e recebida, já não estava disposta a sustentar toda aquela coragem.
Enquanto corria para o segundo embarque, meus olhos já me pediam pausa para apreciar tudo o que viam: cores, muitas cores em pessoas tão distintas. Cheguei em Chennai por volta das cinco da tarde, sem internet no celular e o aeroporto sem wifi, contei com a ajuda do menino do balcão de informações que compartilhou sua internet comigo para que eu pudesse falar com o motorista que me esperava do lado de fora.
O caminho até Auroville, meu primeiro destino, foi de encantamento e curiosidade. Cheguei por volta das dez da noite na minha hospedagem: uma cabana de bambu no meio da mata, com uma cama estreita e o colchão de palha. Respirei fundo, e tive uma primeira noite agitada entre os pernilongos e o som dos diversos animais que estavam por ali, coloquei o sapo para morar fora da cabana.
O primeiro dia nessa nova terra foi de resolver coisas burocráticas, como alugar uma bicicleta, fazer compras no mercado e sacar dinheiro. Enquanto isso, ia apreciando os sorrisos aparentes nos rostos, os homens andando com suas “saias” e o monte de gente que passava sentada junta na mesma moto.
Lembrei de Guimarães Rosa, que disse “o que era isso que a desordem da vida podia sempre mais do que a gente?” A mesma proporção em que me entregava ao caos, recebia de volta o regresso a mim. Amei as vacas, as pessoas, o chinelos na porta dos lugares. Apreciei o silêncio, a vida descalça, a comida apimentada. Estudei o despertar em mim.
Continua...
Comments