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Insuficiência.

Daqui a alguns dias embarco para outra temporada de trabalho voluntário, estudos e práticas no Nepal. Mas agora estou apenas entrando no ônibus para voltar para a casa, então entrego o bilhete para o motorista, coloco a mochila no bagageiro sobre a minha cabeça, o cinto de segurança, e os fones de ouvido, vou escutando uma nova playlist criada por mim para os momentos de despedidas em que cada música compõem um ritmo infinito sob os pés de quem descansa a vista, enquanto tenta orquestrar a própria ida, ou a própria dor. Olhando pela janela procuro a montanha mais alta que meus olhos possam ser capaz de enxergar, deixo a janela aberta para sentir o vento no rosto, está um sol e poucas nuvens passeiam pelo céu.


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            Algo dentro de mim começa uma despedida, porque sei que viver é breve. Meu eu do passado sussurra lembrando quantas vezes me despeço dos lugares, das pessoas, e percebo como ainda não sou boa nisso. Como é que se aprende isso? Estou em casa em muitos lugares, mesmo sentindo que alguns espaços não me cabem. Eu gosto do silêncio das montanhas, a gente tem vocabulário rico para falar do que vê, mas me faltam palavras para falar dos sentires que aparecem lá, há uma insuficiência. Pela janela enxergo os animais que parecem ter sido dispostos um a um para compor com o verde da grama, as araucárias majestosas abrem seus braços para todos os lados e passarinhos cantam melodias ainda novas para os meus ouvidos.

            Chego no metrô, e depois caminho, já a noite, por alguns quarteirões até em casa. Da minha janela agora vejo as luzes de montes de prédios e apartamentos acesos, e escuto o ruído das buzinas e ambulâncias. Os olhos podem enxergar facilmente o prédio mais alto, e talvez por determinação, ou por prática, encontram a beleza nas luzes aconchegantes de algumas janelas.

            Desfaço a mochila, pensando que logo a hora de prepará-la novamente chegará. E pelas janelas não enxergarei mais as montanhas verdes, e pelos ouvidos escutarei o canto de outros pássaros, e pelo corpo todo sentirei o frio.

            Por detrás de toda a coragem da ida, existe uma espécie de dor que eu encontro em me preparar para aprender, e para ser capaz de algo que eu ainda nem sei se estou preparada quando decidi fazer. Procuro um espaço seguro dentro de mim que está em simplesmente observar, observo meu medo, observo a dor da saudade. É preciso expandir a borda sobre o entendimento de quem se é. De novo. A vida é uma palavra curta, e talvez a graça seja  chegar no final e encontrar com o começo do que nos fez partir para vivê-la.

 
 
 

2 comentários

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Márcia
03 de dez. de 2024
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Nossa vida é feita de muitas chegadas e outras tantas partidas. As nossas partidas são mais faceis mas as partidas de quem amamos é sempre muito dolorosa. Maravilhosa reflexão!!

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Marina Linhares
Marina Linhares
03 de dez. de 2024
Respondendo a

É verdade mãe! Uma saudade sem fim aperta o peito!

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