A pergunta que não quer calar?
- Marina Linhares
- 1 de mai.
- 3 min de leitura

Tiruvanmalai é um antigo e sagrado refúgio no sul da Índia, onde a presença da montanha Arunachala – considerada por muitos como a própria manifestação do silêncio divino – domina a paisagem e a alma de todos que ali chegam. Foi aos pés dessa montanha que Sri Ramana Maharshi, um dos mais conhecidos yogues do século XX, viveu em profunda quietude e simplicidade, irradiando sabedoria sem precisar de palavras.
No ônibus, a caminho desse encontro do tamanho de uma montanha, me peguei pensando sobre a beleza de cada começo. Há uma magia em chegar, e talvez esse seja um dos grandes encantamentos que viajar traga para mim. Ainda na estrada, vi a grande montanha no final parecendo pequena, e à medida que nos aproximávamos, ela crescia em tamanho dentro e fora de mim.
Minha disciplina sempre conseguiu me ater aos rituais que por vezes foram feitos com as mãos, e não com o coração. Acontece que as montanhas desde sempre tiveram o potencial de despertar essa fé sentida, e me lembram a todo momento que não importam muito as obrigações do lado de fora. Pois bem, cheguei nessa cidade com o coração aberto, e já logo no primeiro dia fui visitar o ashram onde viveu o grande yogue.
O tuktuk parecia pequeno para tudo o que eu carregava dentro de mim, na mochila de 50l que tem me acompanhado ao longo desses últimos dois meses sobrava espaço. Olhava para as calçadas ao longo da rua enquanto o pequeno carrinho em cima de uma moto amarela abria espaço entre gente, carro e vaca, e me admirava com tanta cor. Cada ser humano sendo não apenas ele mesmo, mas também um pontinho único, singular, onde todos os fenômenos que o compuseram cruzam uma única vez.
Para entrar no ashram, é sempre necessário deixar os chinelos na entrada. Encontre um pequeno espaço e esteja atenta para lembrar onde os deixou. Fui caminhando descalça, o fim da tarde já anunciando a descida do sol que trazia frescor para o corpo que se preparava para subir a montanha. Antes de subir, entrei no templo que reserva um espaço imenso para a meditação, com um grande altar onde são realizados os rituais e pujas. Sento-me, assisto, mas nada ali toca a minha alma. Olha só, vida, de novo eu procurando fórmula, estabelecendo ordem e querendo controlar. Os rituais tem o poder de nos transportar para um outro lugar, mas e se a gente reconhecer que já estamos nesse outro lugar? E que não tem mais por que continuar utilizando esse transporte?
A verdade é um ideal. O sentir é prova concreta, e deveria ser considerado o senhor do agir. Saí daquele espaço e caminhei até o fim do quintal que levava a um portãozinho pequeno: a entrada para subir a montanha. Com os pés descalços, fui caminhando e sentindo o chão, a temperatura, a textura, e isso me trouxe de volta e me esvaziou (já escrevi sobre a necessidade de se sentir completo, mas reitero a necessidade de se esvaziar). Ao longo do caminho, que é feito em completo silêncio por todos os que passam por ali, desfrutei da graça de não precisar ser nada, nem parecer nada. Não havia a necessidade de desempenhar papel, função. Não havia querer, nem não querer.
Cheguei lá no alto, e de lá vi até onde a vista alcançava, mas era o vento batendo no rosto, e mais uma vez, o tal do silêncio, que me trazia de volta. Centrada, enraizada, alinhada. Talvez fosse justamente isso o que o dono daquelas cavernas ali ensinou enquanto meditava em seu silêncio: ele não pediu que acreditássemos, mas que voltássemos o olhar para dentro, para o mistério radiante do “Quem sou eu?”. Nesse chamado simples e imenso, não há esforço, apenas o desfazer das máscaras. Seu exemplo é um rio que corre para dentro, vasto, indivisível. Ali, nenhuma pergunta me sussurrava mais, mas a todo tempo uma resposta sobrevivia sem palavras: Sê aquilo que tu já és.
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